Também há dias assim...
Depois do menu de desgustação, que experimentei em Novembro na companhia de alguns amigos “Puristas” (membros dos Puros e Vinhos), as expectativas eram elevadas.
Pese embore desde o ínicio não achasse caro o valor da refeição, tendo em conta o sítio e a ocasião, sempre tive esperança de ser (bem) surpreendido.
Noite de 31-12-2008 no Gemelli.
Logo desde o ínicio que as coisas foram diferentes. Ficàmos sentado na úlltima mesa junto às escadas e por isso mesmo um pouco deslocados do centro.
Recusado a proposta de aperitivo liquido, a fome já dava mais que um sinal, foi-nos servido o branco que acompanharia boa parte da refeição da noite, o Gemelli Duplo PR Branco unfiltered 2006, do Douro.
A primeira nota vai para a decoração da sala, sem a mais pequena alusão à ocasião. Quem sofresse de desorientação e não soubesse em que noite estávamos bem poderia achar que se tratava de um jantar num normal sábado à noite. Não falo de ter a Feira Popular, mas ficava bem um elemento decorativo a condizer com o nível do restaurante e a simbolizar os festejos de fim de ano.
Já na mesa, ao correcto prato com três tipos de pão e pequenos grissinos, faltou a acompanhar um pouco de manteiga ou azeite para degustação.
Provado o vinho e recebido o aperitivo sólido, revisitàmos a lista para verificar do que se tratava, perguntámos-nos se seria um troço de morcela bem negra. Lida a ementa verificàmos que não se tratava de qualquer morcela, mas antes de uma tempura de tinta de choco a envolver uma vieira, o prato denominava-se oficialmente “Vieira baby do Canadá em tempura de Choco, shot de canja de Funcho”. Trincada esta falsa morcela, o sabor forte e marinho estava agradável. Contudo prefiro a vieira numa preparação menos complexa, que me permita sentir o seu sabor natural, aqui abafado pelo forte sabor da tinta do choco. Quanto ao shot não consegui acabar, primeiro porque já não estava particularmente quente e depois porque o sabor resultante do mesmo me fazia lembrar caldos artificiais que não aprecio de todo.
Seguiu-se o Antipasto, “Tártaro de Atum com Gengibre sobre puré de Aipo, bola e sumo de beterraba. Quantidade de degustação, empratamento aceitável.
No que respeita ao tártaro a escolha do gengibre como temperador não terá sido a melhor, já que este se confundia e atenuava em demasia o sabor do atum. O puré de aipo por si só bom, mas a nada trazer a este prato. Eu trocaria o gengibre por um outro tempero diferente, pimenta branca, wasabi, balsamico, alcaparras. Ou pura e simplesmente retiraria o pure de aipo e serviria o tartaro em tosta fina com sementes de sesamo, com gota de limão no momento, emulsionado em quantidade adequada pelo sumo de beterraba.
A Zuppa bem que poderia não ter vindo. “Creme de Agrião com Requeijão assado e lombo de Porco em Salmoura”. O único conforto foi o caldo em si mesmo suave e quente a confortar o estômago. Os verdes presumo que agriões, não cheiravam nem sabiam a agrião, os complementos, porco e requeijão, não se entendiam. Eu apesar de tudo ainda preferia apenas e só o que apelidei de fiambre, sem querer ofender o porco. Esta sopa para um jantar de fim de ano não me pareceu à altura.
Nesta altura em que nos preparávamos para o Primo piatto, comentávamos também a quantidade exibida nos pratos não ter sido até aqui nunca em demasia.
Este “Raviolo de queijo Mascarpone e Shitake sobre carpaccio quente de pargo e infusão de ouriço do mar”, trouxe-me a melhor revelação da noite, o carpaccio de pargo quente. O pargo estava nesta preparação fantástico. Os outros dois componentes do prato já não me deliciaram. Ambos de sabor intenso e sobretudo a emulsão de ouriço, um pouco excessivo para o meu gosto pessoal. Não degustei do RAVIOLO, mas a sua intensidade e também a forte persistência em boca, não ligavam com a suavidade e delicadeza do pargo.
Finalmente uma sábia decisão de começar a servir o tinto da noite.
Segui-se o prato com melhor apresentação da noite, a redução da pimenta de Sechuan a delimitar o meio do campo, e os oponentes cada um na sua metade do recinto. A bonita bola de leitão desfiado, com telha da própria pele tostada a defrontar um bonito Risotto de canela também ele com telhado crocante de parmigiano. As primeiras garfadas resultaram bem, a meio da degustação começou a sentir-se o favoritismo da carne.
Faltavam ao adversário, taurinos, amargura, para “deitar abaixo” este leitão. Eu diria mais e mais forte pimenta e uma verdura amarga, esparregado de grelos de nabo ou rucola selvagem, para equilibrar este jogo. A suavidade e doçura da canela e a pouca quantidade e intensidade da emulsão de Sechuan nunca foram suficientes para causar qualquer “perigo” a este adversário.
E quando me apetecia ainda mais deste bom vinho tinto, eis que se estava a servir o Champagne com o aproximar da meia-noite.
Também aqui faltou um pouco de organização e alguém devia ter dado o mote de forma mais veemente. Eu assiti nesta sala ao jubilo da várias 24horas, mais ou menos uma para cada mesa. Creio que neste contexto fez falta um écran de televisão que 5 minutos antes e 5 minutos depois nos transportasse para as várias festas a acontecer nesse mundo fora. Traria alguma colorido e som de festa que alegrariam um pouco esta sala.
Feito brinde, e tendo comido as tradicionais doze passas que nos foram servidas, foi a altura de apreciar este muito bom Champagne Philiponnat.
Aproximava-se o fim da refeição e foi apenas quando recebi o
“Fondant” de Panettone ao Limoncello,creme de Chocolate branco ao Açafrão, que percebi que era apenas uma e não duas sobremesas. Erro meu que confundi duas virgulas por dois pontos finais.
Gostei desta sobremesa bem feita, bem Italiana, com o interior do pequeno panettone a exibir o anunciado Fondant e o creme, eu diria antes emulsão, de chocolate branco a conjugar-se bem com bolo.
Eu esperava, contudo, uma sobremesa diferente, mais sofisticada e exuberante.
Café tomado, conta paga, e os primeiros comentários que originariam esta “desimpressão” a começarem a tomar forma.
Pareceu-me uma refeição muito defensiva, muito poupada, e realizada com muita (des) inspiração e muito pouca transpiração. As ideias dos pratos pareceram-me boas e que podem produzir boas sensações e surpresas mas a sua realização demonstrou, em minha opinião, que devia ter havido antecipadamente bastante mais experimentação e afinação.
O melhor da noite
Vinho Tinto,
Champagne,
Carpacio quente de pargo,
“Fondant” de Panettone ao Limoncello,
creme de Chocolate branco ao Açafrão
O menos bom..
Shot de canja de funcho.
Creme de agrião.
Deveriam existir no mínimo dois pratos para o vinho tinto.
Infusão de ouriço do mar.
António Amaro
purosevinhos@gmail.com